“A seleção natural faz ênfase na sobrevivência em um ambiente hostil como premissa fundamental para que se produza a evolução pré-histórica de qualquer adaptação. Mas se a arte é uma adaptação, a simples sobrevivência é uma explicação bastante inadequada para a própria percepção de sua existência. A razão é evidente: os objetos artísticos e as representações normalmente se encontram entre as criações mais opulentas, extravagantes, brilhantes e dissolutas da mente humana…”
“Devido à nossa preocupação pelos vistosos meios visuais e os ruidosos tititis da experiência diária, nos esquecemos do tão perto que estamos das mulheres e homens pré-históricos que descobriram a beleza que há no mundo. Seu sangue corre por nossas veias. Nosso instinto de arte é o seu”.
Denis Dutton.
A noção moderna, que estabelece o modo como pensamos na arte, é entendida como uma conformação estética gerada fundamentalmente pelo contexto cultural que a origina. Pelo menos esse foi o enfoque a partir do qual se estruturaram as principais linhas teóricas e filosóficas desde o século passado para o entendimento da natureza da arte, encarada como construção social.
Mas o que acontece se tentarmos encarar uma obra de arte ou um fato artístico a partir de uma noção mais ampla, que parte da relação entre filosofia, estética, antropologia e evolução humana, localizando, então, a arte (produção simbólica/consumo artístico) dentro dos traços evolutivos que se formaram pela seleção natural? A resposta é o instinto. O professor e teórico Denis Dutton, em seu livro “O Instinto da Arte: Beleza, Prazer e Evolução Humana”, começa dizendo que “Charles Darwin assentou os alicerces de um estudo da arte não só como fenômeno cultural, mas também como manifestação natural”. Seu livro analisa experiências de investigações etnológicas em sociedades agro-oleiras contemporâneas e obras legitimadas como paradigmas da cultura ocidental. Indaga sobre a essência pela qual produzimos e apreciamos a arte e sentimos prazer ao fazê-lo.
Inspirada nesta linha investigativa, a exposição “Instinto” propõe, através do exemplo de dois artistas plásticos contemporâneos da Região Centro-Oeste do Brasil, G. Fogaça e Pitágoras Lopes, nos aproximar novamente da produção artística, como faziam nossos antepassados paleolíticos: admirando e desfrutando a beleza e as emoções que a arte provoca, além do virtuosismo técnico, do estilo pessoal, da criatividade individual e do desafio intelectual. “Instinto” nos estimula a colocar em primeiro lugar a sensação de prazer, poder e comunhão com outros seres humanos que a arte emana, e, acima de tudo, nos motiva a indagar a natureza humana desnudada através da obra de arte.
Por essa razão, esta apresentação, mais do que uma análise crítico-formal-conceitual da obra desses artistas, pretende introduzi-la como uma aproximação sincera e intuitiva ao universo criativo de G. Fogaça e Pitágoras Lopes, enfocando nas emoções que, de maneira pessoal, me provocam suas obras e que podem servir de rota a outros observadores. Sem ser uma receita, pode funcionar como um mapa para nos movimentarmos de maneira mais confortável por suas poéticas, somente com nosso instinto artístico como guia, pois também eles se inspiraram de modo natural no seu próprio instinto artístico e em sua compreensão da beleza do mundo para reproduzi-las.
G. Fogaça e Pitágoras Lopes são dois artistas autodidatas que vivem e trabalham em Goiânia, no estado de Goiás. Essa região não está compreendida nos mais importantes circuitos de promoção, circulação e consumo do mainstream da arte brasileira. Quando vejo suas obras, o que mais me comove é a sinceridade, a paixão desenfreada e a transparência sem poses. Sua arte é puro instinto, uma necessidade absoluta e resolvida de pintar como modo de sobrevivência, não apenas econômico, mas principalmente psicológico. Ambos são desses raros artistas, cada vez mais incomuns, que não sabem fazer outra coisa que não seja pintar. A arte é para eles um instinto vital, um espaço que lhes permite manter-se conectados com a realidade e permanecer como seres humanos em seu meio, nos proporcionando a possibilidade de apreciar obras de arte autênticas, sem a poluição (na medida do possível) dos modismos ou artimanhas impostos pela cultura estética, pelos grandes espaços expositivos ou pelo simples mercado.
Para entender melhor, vamos adentrar na obra de cada um desses artistas de maneira independente.
G. Fogaça, que começou pintando paisagens bucólicas da periferia da cidade, o fez como se fossem anotações de um viajante ou postais turísticos de temática complacente, mas sempre denotando um sofrimento contido no traço nervoso e agressivo e nas cores altamente contrastantes, que nos demonstravam sua vocação expressionista. Com o passar dos anos, ele se tornou o pintor da alma da cidade de Goiânia. Ninguém melhor do que ele tentou compreendê-la tanto. Seus esboços e obras a penetraram até o infinito. Ele chegou do interior muito jovem e também se sentiu estrangeiro. Até hoje, a cidade e seu ritmo, sua vertiginosa vida, lhe são estranhos. Por mais que se aproxime, por mais que se proponha decifrá-la, ela se escorre como água entre suas mãos. Somente as imagens retidas nas tantas telas parecem conter, por segundos, a fúria intensa dessa massa de concreto, asfalto, trânsito, gente, luzes e sombras, que se tornaram sua principal obsessão. Uma e outra vez, enfoca e desenfoca a lente: recorta o instantâneo fulgor de um semáforo, acentua a linha de um rosto entre a multidão desesperada, reforça os ângulos das composições de um acidente de veículos, lança-se com um escorço ao mesmo centro da cor, apaga o horizonte, descompõe as figuras, desaparece com os muros, faz explodir as formas da cidade ao seu redor e esboça um grito coletivo em meio ao caos urbano. Mas não se encontra a si mesmo, sabendo ainda que existe, mas a grande quantidade de cidade o absorve, o anula, nos anula a todos. Sua pintura é sua luta diária pela sobrevivência em meio à grande selva de asfalto. Cada tela é um exorcismo existencial dessa luta, uma prova de que seus demônios são reais e encontram corpo e alma no espírito da grande cidade, que ele vê desde a janela de seu carro, desde a calçada, desde a mesa do bar, desde a tela de seu televisor, e que o persegue aonde quer que vá, porque Goiânia está agora em cada cidade, em todas as cidades. Ao final, está esgotado, e esse esgotamento é a essência de sua obra. Cada pintura sua leva implícita toda sua agonia, sua depressão, seu cansaço, que é o cansaço do homem moderno em seu longo caminho desde a caverna em direção à luz. Pintar é sua maneira de lidar com o mundo e sobreviver a momentos. Seu instinto natural o faz respirar e pintar, pintar “o sofrimento passado, presente e futuro” e seguir respirando.
A obra de Pitágoras Lope pareceria, à primeira vista, caricaturística e ingênua, com traços apurados que não se comprometem em uma compreensão profunda da realidade. No entanto, se nos detemos por um instante, percebemos que essa ironia burlesca e esse carnaval do absurdo são as múltiplas máscaras do artista em sua própria luta cotidiana para entender o mundo.
Pitágoras, assim como Fogaça, vive sua própria alienação em uma realidade paralela, que, no seu caso, está saturada de imagens da realidade publicitária, da música, do mundo do espetáculo e do teatro, onde começou a desenvolver sua carreira artística, do pop como filosofia de vida contemporânea e, mais recentemente, das linguagens das redes sociais, às quais chegam como consumidores receosos e críticos.
Pitágoras é um espírito antissocial por excelência, não se interessando em interagir com a realidade, apenas com a realidade artística. Ele não representa um personagem e se expressa em consonância com isso. Aliás, ele vive seu personagem de artista dentro da realidade real, apagando os limites entre praxe de vida e praxe artística.
Seu instinto de sobrevivência parece ter chegado a uma solução inversa: “a realidade para mim é alheia, eu sou a minha realidade”. Suas múltiplas imagens surgem naturalmente: a arte é sua única realidade. Nela, os espaços cotidianos da vida estão dispostos de maneira diferente, tudo está poluído, insano, quase putrefato, intervindo por grafite, violentado pela cor, degenerado pela forma. São o fruto de uma imaginação fértil e de uma lógica diferente, que faz coexistir artefatos, natureza e seres humanos na dimensão do aparentemente absurdo, que descompõe as noções do que reconhecemos na lógica visual pré-estabelecida e que nos convida a olhar novamente para o universo, não como espectadores passivos da beleza aparente, mas como crianças assustadas que descobrem o mundo pela primeira vez e veem em cada árvore um duende e em cada ave um milagre; ou como protagonistas de uma dança psicodélica que cantam seu próprio mantra de sabedoria universal: a vida é um jogo doloroso, muito doloroso para ser real.
Para Pitágoras, a arte não é uma ferramenta para entender o mundo, nem um código que traduz as formas, cores e conceitos do que nos rodeia. Ela é a maneira de construir outra realidade menos inóspita do que a verdadeira. É sua adaptação ao meio, é o resultado de seu instinto de sobrevivência.
Por tudo isso, acredito que Instinto é um exercício intelectual que nos permite sentir a arte como se estivéssemos realizando uma autópsia, presenciando-a de dentro do seu conteúdo e participando juntamente com seus criadores, G. Fogaça e Pitágoras Lopes, nas motivações que deram origem a esse universo de imagens que é o fato visual. Desfrutamos com eles o prazer de expressar o mundo, a natureza, a realidade e a não realidade, fragmentos de cidades, espaços, máquinas, seres humanos, flora, fauna, anseios, traços, luzes e sombras. Em suma, é esse instinto natural que reconhecemos como arte. Portanto, esteja disposto a sentir.
Dayalis González Perdomo
“La selección natural hace hincapié en la supervivencia en un entorno hostil como premisa fundamental para que se produzca la evolución prehistórica de cualquier adaptación. Pero si el arte es una adaptación, la simple supervivencia es una explicación del todo inadecuada para dar cuenta de su existencia. La razón es evidente: los objetos artísticos y las representaciones suelen encontrarse entre las creaciones más opulentas, extravagantes, brillantes y disolutas de la mente humana…”
“Debido a nuestra preocupación por los vistosos medios visuales y los bulliciosos chismes de la experiencia diaria, nos olvidamos de lo cerca que estamos de las mujeres y hombres prehistóricos que descubrieron la belleza que hay en el mundo. Su sangre corre por nuestras venas. Nuestro instinto del arte es el suyo”.
Denis Dutton.
La noción moderna, desde la cual se instaura el modo en que pensamos el arte, presupone una conformación de lo estético generada fundamentalmente como resultado del contexto cultural que la origina. Al menos este ha sido el enfoque a partir del cual se han estructurado las principales líneas teóricas y filosóficas desde el siglo pasado para el entendimiento de la naturaleza del arte en tanto construcción social. ¿Pero qué sucede si intentamos abordar una obra de arte, o un hecho artístico, desde una noción más ampliada, que parta de la relación entre filosofía, estética, antropología y evolución humana, ubicando entonces al arte (producción simbólica/consumo artístico) dentro de los rasgos evolutivos que se han ido conformando por selección natural? La respuesta es instinto.
El profesor y teórico Denis Dutton en su libro El instinto del arte, belleza, placer y evolución humana comienza diciendo que “Charles Darwin asentó los cimientos de un estudio del arte no solo como fenómeno cultural, sino también como manifestación natural”. Su libro analiza experiencias de investigaciones etnológicas en sociedades agro-alfareras contemporáneas y obras legitimadas como paradigmas de la cultura occidental. Indaga en la esencia por la cual producimos y apreciamos el arte, y sentimos placer al hacerlo.
Inspirado en esta línea investigativa la exposición Instinto propone, a través del ejemplo de dos artistas plásticos contemporáneos del Centro-Oeste de Brasil, G. Fogaça y Pitágoras López, volver a acercarnos a la producción artística, como lo hacían nuestros antepasados paleolíticos: admirando y disfrutando la belleza y las emociones que el arte provocan más allá del virtuosismo técnico, el estilo personal, la creatividad individual y el desafío intelectual. Instinto nos anima a poner en primer lugar la sensación de placer, poder y comunión con otros seres humanos que del arte emana y sobre todo nos motiva a indagar en la naturaleza humana desnudada a través de la obra de arte.
Por esa razón, esta presentación, más que un análisis crítico formal-conceptual de la obra de estos artistas, quisiera introducirla como un acercamiento sincero e intuitivo al universo creativo de G. Fogaça y Pitágoras López, enfocándome en las emociones que en lo personal me provocan sus obras y que pueden servir de ruta a otros observadores. Sin ser una receta, puede funcionar como mapa para movernos de manera más cómoda por sus poéticas, con solo nuestro instinto del arte como guía, porque también ellos se han inspirado de modo natural en su propio instinto del arte y en su comprensión de la belleza del mundo, para producirlas.
G. Fogaça y Pitágoras López son dos artistas de formación autodidacta, que viven y trabajan en Goiânia, Estado de Goiás, región no comprendida dentro de los más importantes circuitos de promoción, circulación y consumo del mainstream del arte brasilero. Cuando veo sus obras lo que más me conmueve es la sinceridad, la pasión desenfrenada, la transparencia sin poses. Su arte es puro instinto, absoluta y resuelta necesidad de pintar, como modo de supervivencia (también económico, pero principalmente psicológico). Ambos son de esos raros artistas, cada vez más raros artistas, que no saben hacer otra cosa sino pintar. El arte es para ellos instinto vital, espacio que les permite mantenerse conectados con la realidad, permanecer como seres humanos en medio de su entorno, dándonos de paso la posibilidad de apreciar obras de arte auténticas, descontaminadas (en tanto es posible) de modismos o artimañas impuestos por la cultura estética, los grandes espacios expositivos o el mercado.
Para entenderlo mejor vamos a adentrarnos en la obra de cada uno de estos artistas de manera independiente.
G. Fogaça, quien comenzara en sus inicios, pintando paisajes bucólicos de la periferia de la ciudad, a manera de apuntes de viajero o postales turísticas de temática complaciente, pero siempre detonando un sufrimiento contenido en el trazo nervioso y agresivo, y en los colores altamente contrastantes que hablaban ya de su vocación expresionista, ha devenido a través de los años en el pintor del alma de la ciudad de Goiânia. Creo que nadie como él ha intentado comprenderla tanto, sus bocetos y obras la han penetrado hasta el infinito, él que llegó del interior siendo muy joven, también se sintió extranjero, y hasta hoy la ciudad y su ritmo, su vertiginosa vida, le son extraños. Por más que se acerque, por más que se proponga descifrarla, ella se le escurre como el agua entre sus manos, solo las imágenes retenidas en sus tantos lienzos parecen contener por segundos la furia intensa de esa masa de hormigón y asfalto, y tránsito, y gente, y luces y sombras, que se ha convertido en su principal obsesión. Una y otra vez enfoca y desenfoca el lente: recorta el instantáneo fulgor de un semáforo, acentúa la línea de un rostro entre la multitud desesperada, refuerza los ángulos de las composiciones de un accidente de vehículos, se lanza con un escorzo al centro mismo del color, borra el horizonte, descompone las figuras, desaparece los muros, hace explotar las formas de la ciudad a su alrededor y esboza un grito colectivo en medio del caos urbano. Y no se encuentra a sí mismo, aunque sabe que existe, pero la gran ciudad lo absorbe, lo anula, nos anula a todos. Su pintura es su lucha diaria por la sobrevivencia en medio de la gran jungla de asfalto, cada lienzo es un exorcismo existencial de esa lucha, una prueba de que sus demonios son reales y encuentran cuerpo y alma en el espíritu de la gran ciudad, esa que ve desde la ventanilla de su carro, desde la acera, desde la mesa del bar, desde la pantalla de su televisor, esa que lo persigue donde quiera que va, porque Goiânia está ahora también en cada ciudad, en todas las ciudades. Al final está agotado, y ese agotamiento es la esencia de su obra, cada pintura suya lleva implícita toda su agonía, su depresión, su cansancio, que es el cansancio del hombre moderno en su largo camino desde la caverna hacia la luz. Pintar es su manera de lidiar con el mundo y sobrevivir, a ratos. Su instinto natural lo hacen respirar y pintar, pintar “el sufrimiento pasado, presente y futuro”, y seguir respirando.
La obra de Pitágoras López pareciera a simple vista caricaturesca e ingenua, de trazos apurados que no quieren comprometerse en una comprensión profunda de la realidad, pero si nos detenemos solo un instante nos damos cuenta de que esa ironía burlesca, ese carnaval del absurdo, son las múltiples máscaras del artista en su propia lucha cotidiana para entender el mundo. Pitágoras, como Fogaça, vive su propia alienación, en una realidad paralela que en su caso está saturada de imágenes de la realidad publicitaria, de la música, del mundo del espectáculo y del teatro donde comenzó a desarrollar su carrera artística, del pop como filosofía de vida contemporáneos, y más recientemente de los lenguajes de las redes sociales a los que llega como consumidor receloso y crítico. Pitágoras es un espíritu antisocial por excelencia, no le interesa interactuar con la realidad, solo con la realidad artística, no representa un personaje y se expresa en consonancia con ello, más bien vive su personaje de artista dentro de la realidad real, borrando los límites entre praxis de vida y praxis artística. Su instinto de sobrevivencia parece haber llegado a una solución inversa: “la realidad me es ajena, yo soy mi realidad”. Sus múltiples imágenes surgen entonces naturalmente: el arte es su única realidad, allí están los espacios cotidianos de la vida dispuestos de una manera otra, todo está contaminado, insano, casi putrefacto, intervenido por grafitis, violentado por el color, degenerado por la forma, son el fruto de una imaginación fértil, de una lógica distinta, que hace coexistir artefactos, naturaleza y seres humanos en la dimensión de lo aparentemente absurdo, que descompone las nociones de lo que reconocemos en la lógica visual prestablecida, y que nos invita a mirar una vez más el universo, no como espectadores pasivos de la belleza aparente sino como niños asustados que descubren el mundo por primera vez y ven en cada árbol un duende y en cada ave un milagro; o como protagonistas de una danza sicodélica que cantan su propio mantra de sabiduría universal: la vida es un juego doloroso, demasiado doloroso para ser real. Para Pitágoras el arte no es una herramienta para entender el mundo, no es un código que traduce a formas, colores y conceptos lo que nos rodea, es la manera de construir otra realidad menos inhóspita que la verdadera. Es su adaptación al medio, es el resultado de su instinto de sobrevivencia.
Por todo ello creo que Instinto es un ejercicio intelectual que nos permite, si nos libramos de los viejos prejuicios culturológicos, sentir el arte, como en una autopsia, presenciarlo desde dentro de su contenido, participando junto con sus creadores, G. Fogaça y Pitágoras López, en las motivaciones que dieron origen a ese universo de imágenes que es el hecho visual, disfrutando con ellos el placer de expresar el mundo, la naturaleza, la realidad y la no realidad: fragmentos de ciudades, espacios, máquinas, hombres, flora, fauna, ensueños, trazos, luces y sombras, que es en definitiva ese instinto natural que reconocemos como arte. Dispongámonos a sentirlo.
Dayalis González Perdomo
“Natural selection emphasizes survival in a hostile environment as a fundamental premise for the prehistoric evolution of any adaptation. However, if art is an adaptation, mere survival is a quite inadequate explanation for the very perception of its existence. The reason is evident: artistic objects and representations typically rank among the most opulent, extravagant, brilliant, and dissolute creations of the human mind…”
“Due to our concern for flashy visual media and the noisy buzz of daily experience, we forget how close we are to the prehistoric women and men who discovered the beauty in the world. Their blood runs through our veins. Our instinct for art is theirs.”.
Denis Dutton.
The modern notion, which establishes the way we think about art, is understood as an aesthetic conformation fundamentally generated by the cultural context from which it originates. At least, this was the approach from which the main theoretical and philosophical lines were structured since the last century for the understanding of the nature of art, seen as a social construct.
But what happens if we try to approach a work of art or an artistic fact from a broader notion that starts from the relationship between philosophy, aesthetics, anthropology, and human evolution, then locating art (symbolic production/artistic consumption) within the evolutionary traits that formed through natural selection? The answer is instinct. Professor and theorist Denis Dutton, in his book “The Art Instinct: Beauty, Pleasure, and Human Evolution,” begins by stating that “Charles Darwin laid the foundations for a study of art not only as a cultural phenomenon but also as a natural manifestation.” His book analyzes experiences from ethnological investigations in contemporary agro-oligarchic societies and works legitimized as paradigms of Western culture. He questions the essence by which we produce and appreciate art and feel pleasure in doing so.
Inspired by this investigative line, the exhibition “Instinct” proposes, through the example of two contemporary visual artists from the Midwest region of Brazil, G. Fogaça and Pitágoras Lopes, to bring us closer once again to artistic production, as our Paleolithic ancestors did: admiring and enjoying the beauty and emotions that art provokes, in addition to technical virtuosity, personal style, individual creativity, and intellectual challenge. “Instinct” stimulates us to prioritize the sensation of pleasure, power, and communion with other human beings that art emanates, and above all, it motivates us to inquire into the human nature exposed through the work of art.
For this reason, this presentation, more than a critical-formal-conceptual analysis of the work of these artists, aims to introduce it as a sincere and intuitive approach to the creative universe of G. Fogaça and Pitágoras Lopes, focusing on the emotions that, in a personal way, their works provoke in me and that can serve as a route for other observers. Without being a recipe, it can function as a map for us to move more comfortably through their poetics, only with our artistic instinct as a guide, since they too were naturally inspired by their own artistic instinct and understanding of the beauty of the world to reproduce them.
G. Fogaça and Pitágoras Lopes are two self-taught artists who live and work in Goiânia, in the state of Goiás. This region is not included in the most important circuits of promotion, circulation, and consumption of mainstream Brazilian art. When I see their works, what moves me the most is the sincerity, unbridled passion, and transparency without poses. Their art is pure instinct, an absolute and resolved need to paint as a means of survival, not only economic but mainly psychological. Both are these rare artists, increasingly uncommon, who do not know how to do anything other than paint. Art is for them a vital instinct, a space that allows them to stay connected with reality and remain as human beings in their environment, providing us with the possibility of appreciating authentic works of art, without the pollution (as much as possible) of fads or artifice imposed by aesthetic culture, large exhibition spaces, or the simple market.
To better understand, let’s delve into the work of each of these artists independently.
G. Fogaça, who began by painting bucolic landscapes of the outskirts of the city, did so as if they were notes from a traveler or tourist postcards of compliant themes, but always denoting a contained suffering in the nervous and aggressive strokes and highly contrasting colors, which demonstrated his expressionist vocation. Over the years, he became the painter of the soul of the city of Goiânia. No one tried to understand it better than him. His sketches and works penetrated it to infinity. He came from the countryside very young and also felt like a stranger. Even today, the city and its rhythm, its dizzying life, are strange to him. No matter how close he gets, no matter how he tries to decipher it, it slips away like water between his hands. Only the images retained on so many canvases seem to contain, for seconds, the intense fury of this mass of concrete, asphalt, traffic, people, lights, and shadows, which have become his main obsession. Again and again, he focuses and defocuses the lens: cuts out the instantaneous glow of a traffic light, accentuates the line of a face among the desperate crowd, reinforces the angles of the compositions of a vehicular accident, launches himself with a foreshortening to the same center of color, erases the horizon, decomposes the figures, disappears with the walls, explodes the forms of the city around him, and outlines a collective scream in the midst of urban chaos. But he cannot find himself, knowing that he still exists, but the vastness of the city absorbs him, nullifies him, nullifies us all. His painting is his daily struggle for survival in the midst of the great asphalt jungle. Each canvas is an existential exorcism of this struggle, proof that his demons are real and find body and soul in the spirit of the great city, which he sees from the window of his car, from the sidewalk, from the bar table, from the screen of his television, and that pursues him wherever he goes, because Goiânia is now in every city, in all cities. In the end, he is exhausted, and this exhaustion is the essence of his work. Each of his paintings carries implicit all his agony, his depression, his tiredness, which is the tiredness of modern man on his long journey from the cave towards the light. Painting is his way of dealing with the world and surviving moments. His natural instinct makes him breathe and paint, paint “the suffering past, present, and future” and keep breathing.
Pitágoras Lope’s work would seem, at first glance, caricatured and naive, with refined traits that do not compromise a deep understanding of reality. However, if we stop for a moment, we realize that this burlesque irony and carnival of the absurd are the multiple masks of the artist in his own daily struggle to understand the world.
Pitágoras, like Fogaça, lives his own alienation in a parallel reality, which in his case is saturated with images of advertising reality, music, the world of spectacle and theater, where he began to develop his artistic career, pop as a contemporary philosophy of life, and more recently, the languages of social networks, to which they arrive as wary and critical consumers.
Pitágoras is an anti-social spirit par excellence, not interested in interacting with reality, only with artistic reality. He does not represent a character and expresses himself in accordance with this. In fact, he lives his artist character within real reality, erasing the boundaries between life practice and artistic practice.
His survival instinct seems to have reached an inverse solution: “reality for me is alien, I am my reality.” His multiple images arise naturally: art is his only reality. In it, the everyday spaces of life are arranged differently, everything is polluted, insane, almost putrefied, intervened by graffiti, violated by color, degenerated by form. They are the fruit of a fertile imagination and a different logic, which makes artifacts, nature, and human beings coexist in the dimension of the apparently absurd, which breaks down the notions of what we recognize in pre-established visual logic and invites us to look again at the universe, not as passive spectators of apparent beauty, but as scared children who discover the world for the first time and see a goblin in every tree and a miracle in every bird; or as protagonists of a psychedelic dance who sing their own mantra of universal wisdom: life is a painful game, too painful to be real.
For Pitágoras, art is not a tool to understand the world, nor a code that translates the forms, colors, and concepts of what surrounds us. It is a way of building another reality that is less inhospitable than the real one. It is his adaptation to the environment, the result of his survival instinct.
For all these reasons, I believe that Instinct is an intellectual exercise that allows us to feel art as if we were performing an autopsy, witnessing it from within its content and participating together with its creators, G. Fogaça and Pitágoras Lopes, in the motivations that gave rise to this universe of images that is the visual fact. We enjoy with them the pleasure of expressing the world, nature, reality, and non-reality, fragments of cities, spaces, machines, human beings, flora, fauna, aspirations, traits, lights, and shadows. In short, it is this natural instinct that we recognize as art. Therefore, be willing to feel.
Dayalis González Perdomo
Créditos / Credits
Artistas / Artists
Pitágoras Lopes
Gerson Fogaça
Curadoria / Curator
Dayalis Gonzáles Perdomo
Coordenação / Coordination
Mairone Ferreira Barbosa
Produção / Production
Malu da Cunha
Projeto Gráfico e Plataforma Digital / Graphic Design and Digital Platform
Sharmaine Caixeta
Lucas Ywamoto
Comunicação e Assessoria de Imprensa / Communication and Press Relations
Seven Star
Aline Borba
Photographs
Hélio Lopes (Pitágoras Lopes) y Julio Abreu (Gerson Fogaça)
Revisão tradução / Translation review
Amy Carballosa
Apoio / Support
Miami Hispanic Cultural Arts Center
Gaea Arte Latinoa Americano
“Pies para que los quiero si tengo alas para volar.”
Frida Kahlo
El mundo que conocíamos ya no es más el mismo, los acontecimientos internacionales de los últimos años apuntan hacia una realidad cada vez más distópica y apocalíptica. No es sólo la pandemia del covid 19 que nos hizo reencontrarnos con nuestros demonios físicos y emocionales, en esos días de confinamiento que se extendieron por meses, y que ya quedaron como huella imperecedera en la memoria colectiva de varias generaciones. Ni la crisis económica mundial a la puerta de la esquina, ni los conflictos internacionales que se multiplican a través de las fronteras y que pujan por una nueva geopolítica y un nuevo orden mundial en medio de conflictos sociales y luchas por derechos humanos fundamentales invisibilizados por siglos y que ahora emergen ante la presión colectiva de las redes sociales. Y si, no es sólo eso, aunque sean estas todas causas y consecuencias, diluidas aquí y allá, pero no son más que la punta del iceberg de una realidad aún más peligrosa y enajenante: una sociedad global que se encamina a su propia desaparición como especie, que literalmente se ha comido el suelo que pisa, ha secado las aguas y contaminado los aires; y que ha convertido en autómatas consumistas y ególatras a los seres humanos.
Nosostros los hombres hemos construido un mundo tecnológico en base a recursos que se agotan y nos estamos quedando sin provisiones a corto plazo. Nosotros los hombres, como muchas especies animales, también estamos en peligro de extinción.
A qué sirve el arte entonces sino para intentar salvar la vida? A que sirve la sensibilidad artística sino para tocar, allí donde otros no llegan, el sentimiento humano?
La obra pictórica de los artistas G. Fogaça y Pitagoras Lopez representa ese compromiso de salvar la vida a través del arte.
Cada uno desde sus investigaciones y experiencias individuales ha desarrollado una carrera que así lo distingue.
G. Fogaça ha deconstruido el paisaje una y otra vez, ha roto el espacio y las formas, para derivar en una abstracción que, no obstante, sigue hablando de esa realidad latente y abrumadora que nos rodea.
Los estallidos de colores, trazos y texturas son cada vez más elocuentes al comentar el caos del enviroment y del espíritu. Pareciera que poco queda de aquel niño curioso que atrapaba en sus dibujos las formas de las pequeñas cosas que lo rodeaban, pero están todas allí, contenidas en ese big bang que es el principio y fin del universo.
Mientras que Pitagoras Lopez continúa moviéndose libremente entre el expresionismo y el pop art, a ratos art brut y bag painting; de manera casi obsesiva, registra sus diálogos internos y ese universo paralelo de figuraciones que le llegan del mundo real. En este palimpsesto de información toda cuenta: la música, los lenguajes, las culturas, las noticias, los medios de comunicación y la realidad misma, hasta crear sus propios mitos.
Y no son éstas, las de inventarse alas para volar y mundos posibles, más que estrategias de sobrevivencia del ser humano?
Las luciérnagas, esos bichitos de luz, que evocan la nostalgia al olor del rocío y a los atardeceres del campo, están en peligro de extinción, porque la contaminación lumínica y ambiental de las grandes ciudades les impide reproducirse en su habitad natural. El Cerrado no escapa a ello, siendo una de las regiones de Brasil donde las diferentes especies de luciérnagas han disminuido significativamente en los últimos años, lo cual constituye un medidor biológico del daño al medio ambiente de la región.
Los humanos no tenemos la capacidad de emitir luz pero algunos elegidos pueden reproducir la luz y los colores del mundo y recomponerlos en un lienzo.
Esta es entonces una invitación de dos maestros de reconocida trayectoria G. Fogaça y Pitagoras Lopez a acompañarlos en su vuelo hacia la luz.
Dayalis Gonzalez
Miami, 25 de octubre de 2022
“Pés, por que eu os quero se tenho asas para voar.”
Frida Kahlo
O mundo que conhecíamos não é mais o mesmo, os acontecimentos internacionais dos últimos anos apontam para uma realidade cada vez mais distópica e apocalíptica. Não é apenas a pandemia de covid 19 que nos fez reconectar com nossos demônios físicos e emocionais, naqueles dias de confinamento que duraram meses, e que já ficaram como uma marca imperecível na memória coletiva de várias gerações. Nem a crise econômica mundial à porta da esquina, nem os conflitos internacionais que se multiplicam além-fronteiras e que pressionam por uma nova geopolítica e uma nova ordem mundial, em meio a conflitos sociais e lutas por direitos humanos fundamentais, invisibilizados durante séculos e que agora emergem sob a pressão coletiva das redes sociais.
E sim, não é só isso, embora sejam todas causas e consequências, diluídas aqui e ali, mas nada mais são do que a ponta do iceberg de uma realidade ainda mais perigosa e alienante: uma sociedade global que caminha para o seu próprio desaparecimento, como espécie que literalmente comeu o solo sobre o qual anda, secou as águas e poluiu o ar; e isso transformou os seres humanos em autômatos consumistas e egoístas.
Nós homens construímos um mundo tecnológico baseado em recursos que estão se esgotando e estamos ficando sem suprimentos em um curto prazo. Nós, homens, como muitas espécies animais, também estamos em perigo de extinção. De que serve então a arte se não tentar salvar a vida? De que serve a sensibilidade artística senão tocar, onde os outros não alcançam, o sentimento humano? A obra pictórica dos artistas Gerson Fogaça e Pitágoras Lopes representa esse compromisso de salvar vidas através da arte. Cada um deles, a partir de suas pesquisas e experiências individuais, desenvolveu uma carreira que os distingue. Gerson Fogaça desconstruiu repetidamente a paisagem, quebrou o espaço e as formas, para derivar numa abstração que, no entanto, continua a falar dessa realidade latente e avassaladora que nos rodeia. As explosões de cores, traços e texturas são cada vez mais eloquentes ao comentar o caos do ambiente e do espírito. Parece que pouco resta daquela criança curiosa que captou em seus desenhos as formas das coisinhas que o cercavam, mas estão todas ali, contidas naquele big bang que é o início e o fim do universo.
Enquanto Pitágoras Lopes continua a transitar livremente entre o expressionismo e a pop art, às vezes art brut e bag painting; quase obsessivamente, ele registra seus diálogos internos e aquele universo paralelo de figurações que lhe chegam do mundo real. Nesse palimpsesto de informações, tudo conta: música, línguas, culturas, notícias, mídia e a própria realidade, até mesmo criando seus próprios mitos. E não são estes, os de inventar asas para voar e mundos possíveis, mais do que estratégias de sobrevivência para o ser humano? Os vaga-lumes, aqueles insetos luminosos que evocam a nostalgia do cheiro do orvalho e do pôr do sol do campo, correm o risco de extinção, pois a luz e a poluição ambiental das grandes cidades os impedem de se reproduzir em seu habitat natural. O Cerrado não escapa disso, sendo uma das regiões do Brasil onde as diferentes espécies de vaga-lumes diminuíram significativamente nos últimos anos, o que constitui uma medidor biológico dos danos ao meio ambiente na região.
Os humanos não têm a capacidade de emitir luz, mas alguns escolhidos podem reproduzir a luz e as cores do mundo, e recompô-las em uma tela. Trata-se, então, de um convite de dois conhecidos mestres, Gerson Fogaça e Pitágoras Lopes, para acompanhá-los no seu voo rumo à luz.
Dayalis Gonzalez
Miami, 25 de outubro de 2022